Ah, a internet. Com ela, não esperamos mais. Temos tudo aqui e agora, de imediato, na palma das mãos. Nos comunicamos mais e mais e temos um ritmo bem diferente do de antigamente. Saímos das caixas de email para as mensagens em chat com tripple check. Do “deixa eu chegar em casa pra checar meu email” pra ilusão da disponibilidade instantânea, seja lá qual for o assunto.
É difícil passar uma semana sem conexão, todos sabemos. É difícil mergulhar na escuridão e isolamento do mundo offline, nos sentimos perdidos. Neste universo, as Redes Sociais são provavelmente onde gastamos mais tempo. Para alguns usuários, a página inicial do navegador é o Facebook ou o Twitter, e novas abas dificilmente serão abertas para outros fins. Vá para o smartphone e o app de maior uso e espaço de memória provavelmente não será diferente.
São nessas redes onde registramos nosso dia a dia e mostramos para nossos amigos de tudo um pouco. A privacidade está, de certa maneira, em nosso controle, mas nós não temos realmente o interesse em manter controle sobre ela. Mesmo quando as ferramentas estão nas nossas mãos, nossa vontade é muitas vezes de termos mais seguidores, garantirmos nossa dose de dopamina com cada curtida e seguir promovendo a imagem de nós mesmos. É bom receber um like. Todos gostamos.
Nós aprendemos a fazer das nossas timelines um espaço de marketing pessoal. O gostar, o comentar, o admirar se tornaram investimentos pessoais em frases que digitamos já na espera dos feedbacks. É assim que nos amamos, é assim que consumimos.
A preocupação com nossa própria imagem tem muitas consequências e algumas podem até ser positivas, veja a questão das denúncias de celebridades envolvidas em escândalos sexuais por exemplo. Fatos como estes estariam muito mais acobertados anos atrás.
É um controle social poderoso e está nas mãos de qualquer um. Mas da mesma maneira que damos oportunidade para novas vozes, transformamos um espaço informal em um tribunal que tem peso significativo na vida das pessoas. E não, não é um tribunal com várias sessões de debate e análise de provas. Muitas vezes é mais uma caça às bruxas. Todos adoramos ser juízes, jures e executores. Todos adoramos ser mídia, de opinião sólida e rígida.
E mesmo quando não intencionados de tal forma, nós julgamos os outros pelas suas publicações. Muitas vezes, silenciosamente, estamos colocando nosso olhar sobre a vida dos outros e comparando com a nossa, seja positiva ou negativamente.
O mesmo é feito conosco, nossos seguidores deixam de ser seguidores e passam a ser perseguidores silenciosos. Basta comparar o comportamento de muitas pessoas fora e dentro das redes. Tomar consciência da quantidade de pessoas que te veem e do quão abertamente você está sendo analisado, é algo digno de paranoia.
E isso não é só culpa do comportamento humano. Há uma responsabilidade grande das interfaces digitais que promovem este tipo de interação intrusiva e descontextualizada. Veja o Stories do Instagram, Facebook e WhatsApp. Lá não temos a mínima noção de pra quem estamos nos expondo distorcidamente.
Não é mais um post escrito ou uma foto, são vídeos, que expõem o íntimo das nossas vidas, assistidos por diversas pessoas. E diferente de uma lista de emails ou até mesmo um grupo recluso do WhatsApp, nós não temos uma visualização clara de quantas pessoas estão nos seguindo, antes de publicarmos. Mas não é só isso, nós também não temos ideia de quem vamos ver em seguida. Quando entramos na linha de reprodução do Stories, não temos controle claro sobre quem é o próximo, e qual tipo de conteúdo estamos pra ver. Não temos nem certeza se queremos ver aquele conteúdo, ele apenas vem, como um fluxo, um rio de informações pessoais das vidas dos outros.
Tudo isso tem muito a ver com a necessidade de criar engajamento das redes sociais. Como a Jout Jout bem notou, a linha do tempo, ou o scroll infinito, são recursos muito claros de design de interfaces, criados pra nos manter curiosamente fixos na tela de um app. Eu mesmo me perco em minutos descendo a bendita.
As notificações cumprem um papel semelhante. E não me levem a mal, elas são úteis, mas tem hora que o Feed Fofoqueiro (como diria uma amiga), ultrapassa os limites…
Isso nos leva ao que mais me incomoda de algumas redes. Elas não estão aí só pra nos ajudar a comunicar com os outros. A intenção é agregar conteúdo informacional, neste grande fluxo, que está nos servidores de alguém. O modelo de negócio é claro: serviços gratuitos, em troca de acesso aos dados. E não custa nada puxar um papo no WhatsApp sobre um tipo de produto para esperar receber anúncios no Facebook minutos depois sobre o mesmo. Todo anúncio está ali porque houve quem pagou pra que ele chegasse até nós. Não é que os produtos certos estão chegando pra gente. É que os produtos com o devido investimento estão na nossa cara, ao invés de nós irmos atrás das opções e compararmos o que de fato melhor nos atende.
Mas isso não se limita a produtos. Nós também deixamos de procurar notícias, e ficamos satisfeitos com elas chegando nos nossos dedos exatamente da mesma maneira que os produtos. O uso de algoritmos para aprender nossos gostos e nos recomendar páginas, posts, e comunidades, tem uma consequência muito clara: a propagação do extremo.
As redes sociais tem um papel importante na bipolaridade atual do nosso debate político e isso acontece, em resumo, porque o que se indica, e o que se compartilha, se curte, é em geral sensacionalista, grita por atenção e por um ar polêmico. Basta ver os títulos das notícias e posts. Nós curtimos e compartilhamos o absurdo seja por acreditar, seja por discordar, e mesmo quando nos indignamos com algo estamos dando atenção para discursos que antes não tinham espaço em mídia alguma. A rede, no sentido do software, aprende isso, e nos mantém em nossas bolhas, impulsiona e recomenda aquilo que vê que faz mais sucesso, ou mais escândalo. Ou, no pior dos casos, aquilo que segrega, discursos de ódio.
As notícias falsas que circulam nos grupos de família são levadas a sério especialmente pela nossa fraca acoplação ao conteúdo informacional. Estamos acostumados ao “passar o olho” e acreditar que isso nos faz portadores de conhecimento, com a mesma velocidade que descemos por nossas timelines, ou consumimos vídeos no Instagram. Não há o esforço de sair da rede social e investigar as infinitas outras fontes (boas ou ruins) que podemos encontrar na internet.
Talvez isso seja o mais frustrante. Falamos sobre a internet como um espaço para o colaborativo, o inclusivo, o compartilhamento do conhecimento e isso de fato acontece. Mas não nos tocamos que a velha luta por espaços de debate apenas mudou para o ambiente virtual, e ainda há muito o que refletir para termos um meio que de fato nos conecte.
Esta é uma discussão que vem crescendo na minha cabeça faz tempos, e isso aqui é apenas um pouco do que consegui botar pra fora. Considere mais um desabafo, como eu costumo fazer em minhas próprias redes. Espero em breve estar mais independente delas e mais próximo das pessoas.