Essas férias passei uma noite na fazenda do meu vô, tentando fotografar as estrelas. É um sentimento fantástico, o que a vista de um céu estrelado sem nenhuma iluminação externa pode te trazer. Mesmo assim, também tive muito medo. Aquele medo bobo de qualquer coisa que poderia se aproximar de mim sem eu notar, num ambiente isolado e escuro como aquele. Acho que é sobre essa mistura de sentimentos que a noite me proporcionou, que tentei falar dessa vez.
Também me arrisquei um pouco mais nessa, com algumas sobreposições que eu não esperava darem certo, além de algumas faixas um pouco mais longas do que eu tenho costume de me permitir usar, mas que no final me pareceram adequadas.
O prefixo Sub é de origem latina, e refere-se à inferioridade. Mas em relação ao quê, isso varia muito.
Por isso essa mixtape não está presa à uma temática como a Distopia, já que passa por submissão, subdesenvolvimento, submersão, subjetividade… Também não está presa à uma estética, como a Difração, mas tem um elemento que permeia a maioria das faixas (que surgiu quase que por acidente), mas que acabou tornando-se parte da construção: a água.
Criar essa daí me fez revisitar algumas experiências antigas, o que foi muito interessante. Me fez ver que talvez eu não tenha mudado tanto quanto eu pensava com relação à algumas coisas, nos últimos 4 anos. Ao invés de buscar músicas que se encaixavam à ideia, acabei buscando por uma temática que se encaixava com algo que estava na minha cabeça faz muito tempo, expressa de maneiras diferentes por autores e estilos musicais diversos.
P.S.: A capa é uma composição com duas fotos minhas (essa e essa) com essa pintura do artista mexicano Francisco Goitia, encontrada nas profundezas da terceira página de busca de imagens do Google.
É fantástico quando encontramos músicas brasileiras que sabem realmente explorar do potencial que nossa língua tem, sem ficar preso a obviedades e rimas fracas. Com mais de 50 anos de carreira, Chico Buarque já passou por diversas fases, desde a crítica política até os sambinhas enredo e poemas leves e ritmados, e apesar de também ter seus “baixos” em termo de criatividade, o cara já fez tanta coisa boa que a gente até fica exigente demais quando ouve algo novo. Pensando nisso, andei buscando algumas músicas que pudessem mostrar um pouco dessa diversidade musical explorada pelo Chico, mas ao mesmo tempo, introduzir algo novo, que nos separasse da clássica ideia do sambista do Rio. De fato, o Chico canta bem, mas ele não é um “intérprete”. Entretanto, tá cheio de gente fazendo música em cima de música, e criando versões diferentes ou simplesmente mais pessoais das músicas do Chico.
Essa foi ideia da coletânea “”CHICO””, reunir algumas dessas interpretações que tivessem algo de interessante. É claro que eu deixei muitas de lado, seja porque eu não gostei, seja porque estavam disponíveis em má qualidade, gravadas ao vivo, etc. Em termos de temática, a coletânea é uma salada mista, assim como é o repertório do Chico. Tem desde músicas gravadas nos anos 60, até 2010, passando por vozes muito conhecidas, ou nem tanto. Os mais saudosistas e fãs do Chico podem não se agradar tanto com algumas interpretações (e com a seleção excludente do repertório), mas foi uma escolha bem pessoal. Eu mesmo lamento algumas músicas geniais não terem tido versões mais bem exploradas ou “viajadas”. Fica abaixo a coletânea e a razão para a escolha de cada música.
1 – Cotidano, por Seu Jorge (remix por Abicah Soul)
Logo que ouvi a versão do Seu Jorge para Cotidiano, já achei interessante, trazia bem o estilo dele e se encaixava como uma luva na letra. Mas enquanto buscava por sua versão, descobri que existe pelo menos uns 5 remixes de DJs no youtube. Ouvi cada um e pouco me animei, um deles parecia querer transformar a música em hit para baladas. 😛 A versão de Abicah Soul foi uma exceção, pois não briga com a interpretação de Seu Jorge, pelo contrário, parece ter se ajustado a ele, mesmo que em um ritmo um pouco mais lento que a versão original.
2 – Até o Fim, por Zeca Baleiro
Apesar de ser a versão mais fraquinha dessa coletânea (até a versão original parece ser mais eloquente), a voz de Zeca Balero entra na lista das interpretações “pessoais”, onde o músico pega emprestado a letra, para transformar a música em algo seu. De fato, a divertida Até o Fim, ficou parecendo mais uma do repertório rico do Zeca, que não usou de floreios, exageros, apenas acrescenta seu estilo ao conto.
3 – Ode aos Ratos, por Nuda
Uma das motivações para criar essa coletânea, a versão de Ode aos Ratos da banda Nuda realmente me pegou de surpresa. Em seu primeiro CD, intitulado Amarénenhuma, eles escolhem bem a música que, na minha opinião, foi uma das últimas “grandes criações” do Chico, pertencente ao CD Carioca de 2008. Se a versão do Chico já era invocada, com direito a remixes e distorções leves, Nuda abusa e intensifica na sua interpretação.
4 – Brejo da Cruz, por Dani Black
Esta é uma das músicas que se encaixam no “ainda mal explorado” que comentei no início do artigo. Minha irmã chega a definir a versão original como “sinistra”, se você prestar atenção na letra. Bom, a interpretação de Dani Black certamente não é sinistra, na verdade ela entra no grupo das interpretações pessoais, sem ousar muito, sem criar muito, apenas constituindo um solo bacana e uma voz agradável. Mesmo com os arranjos no final não sendo do meu agrado, a versão mereceu seu lugar aqui.
5 – Mulheres de Atenas, por Ney Matogrosso
Voltando consideravelmente no tempo, é impossível não incluir o Ney aqui, já que muitas músicas do Chico ficaram mais famosas com a voz e os arranjos intimistas dele, do que com o próprio Chico. Mulheres de Atenas, interpretada em 1976, é um ótimo exemplo. O Ney é o tipo de artista que se entrega pra o que se propõe a cantar e sua incorporação do drama das “mulheres de Atenas”, sem deixar de lado a ironia da letra, é de tirar o chapéu.
6 – Funeral de um Lavrador
Mergulhando ainda mais no túnel do tempo… Funeral de um Lavrador é a jóia do segundo CD do Chico, lançado em 1966. A letra é na verdade de João Cabral de Melo Neto, que escreveu a peça Morte e Vida Severina. Chico musicou a peça para trazer o drama do nordestino, trabalhador da terra, em pleno início da ditadura. Em qualquer uma de suas versões, os versos são chocantes, mas nesta que coloquei, em especial, há um peso maior, um coro no mínimo inquietante e arranjos que contribuem para a música. Mas em minhas pesquisas, não consegui identificar de maneira alguma quem é o cantor dessa versão. Há a sinistra versão do Chico, gravada para um de seus CDs posteriormente. Há a versão da própria peça, que é uma raridade da internet. Há a versão de Tânia Alves, gravada para o filme 1977. Há interpretações de Elba Ramalho, já que ela fez também uma peça. Mas quem faz essa versão em especial, eu não sei. O curioso é que tenho ela do CD com a capa da peça original, mas as músicas são da minissérie da Globo. Se alguém souber quem está cantando, eu estou doido pra descobrir!
7 – Construcción, por Fito Paéz
Sem sombras de dúvidas, Construção/Deus lhe Pague é a obra prima do Chico, surgindo ainda na juventude de sua carreira. Há diversas versões dela e eu topei com duas estilo “Heavy Metal” que ficaram bem interessantes. Mas meus planos eram, até poucos dias, colocar esta versão, que é bem rica em arranjos. A ideia foi logo deixada de lado quando me foi indicada a versão em espanhol de Fito Paéz, do álbum Canciones para Aliens. Sério. Ouça até o fim.
Após ter sua peça Calabar censurada, Chico presenteia a ditadura com a peça Ópera do Malandro, camuflando sua crítica em um romance. Dessa peça, renderam risos como em Casamento dos Pequenos Burgueses, Tango do Covil (interpretada por MPB4) e a famosa história de Geni e o Zepellin. A mais escancarada de todas, o Hino de Duran, que apresenta o “vilão”, é também chamada de Hino da Repressão e tem uma versão-resposta, gravada anos depois. Na peça, a interpretação de Chico soa fraca, quando comparada ao drama fornecido por Neyla Torraca para versão do filme.
9 – Me Deixe Mudo, por Walter Franco
A grande exceção dessa coletânea, é Me deixe Mudo, que não é uma composição do Chico, e sim do Walter Franco. Junto com outras peças raras, como a forte Sinal Fechado e O Filho que eu Quero Ter, ela faz parte do álbum Sinal Fechado, onde Chico fez uma boa seleção de letras de outros cantores. Mas diferentemente das outras duas citadas, esta é uma daquelas em que o original foi superior. Eu já achava a do Chico doida, essa então…
Das mais recentes interpretações podemos destacar também Roberta Sá, na ala mais samba mesmo. Figuras mais clássicas, como Nara Leão, Maria Bethânia, Edu Lobo e Caetano Veloso, foram deixadas de fora, mas não esquecidas.